sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sim, são 2:10h AM...

O que me salva é o horário de verão, que termina hoje. Uma horinha a mais para compensar.

É isso mesmo. Dia 26/02/12, 2:10h da manhã e não estou deitado em minha cama.

Mas pior do que isso, estou ao lado de uma Coca-Cola “normal”. Normal entre aspas, é claro, pois obviamente não é normal tomar Coca-Cola às 2:10h da matina. Encare-a mais como uma companhia, entende? Não gosto do ficar sozinho na sala, no escuro... Quem gosta? Ganho a companhia dela e perco ainda mais o sono com a contribuição da nossa amiga cafeína, contida nesta bebida.

Ar-condicionado desligado. Estou na sala e o ar já está ligado no quarto. Um bom economista - para os convictos de que economista é aquele que ajuda as pessoas/empresas a economizarem – nunca deixa dois “ares” ligados ao mesmo tempo, concorda?

Conto-lhes o motivo de minha insônia. Ansiedade.

Sou muito, muito ansioso.

E ao bom ansioso, nunca faltarão argumentos para justificar sua ansiedade.

Estou tecnicamente desempregado, com mudança marcada para outro país dentro de aproximadamente 30 dias. Para piorar minha situação e empregabilidade, este país se chama Israel, e possui o maior número de engenheiros, empresários e doutorandos por metro quadrado.

Mas deixemos o assunto Israel para outro dia, quando estiver mais perto do “dia D” me mudar definitivamente (lendo rápido o trocadilho até que fica bacana vai... são duas da matina você não pode exigir muito) escreverei certamente a respeito.

Para hoje reservei outro assunto, um desabafo, que coloco num texto separado.

Boa noite!








DESABAFO: DEVEDinheiro

Já que estou de mudança para outro país resolvi levar comigo relíquias filmadas em VHS, de quando eu tinha 4, 7, 10 anos. São viagens, aniversários, Sedarim de Pessach, essas coisas de família. Valioso. Muitos que aparecem nos vídeos já não estão mais com a família - que suas memórias sejam abençoadas.

Não tenho mais nada que rode VHS, então decidi transformá-los em DVD.

Googlei “transformar VHS em DVD – Rio de Janeiro”, anotei uns 4-5 e-mails diferentes e pedi uma cotação. Escolhi o melhor custo x benefício.

Após alguns dias, me responde o transformador de VHS, por e-mail:

- Seus DVDs estão prontos, totalizaram R$210, acho que consigo lhe entregar no sábado.

Decidi ligar para perguntar se estava tudo certo com as imagens, combinar entrega e pagamento. Falamos sobre os vídeos e eu lhe disse então que pagaria 50% do valor naquele mesmo dia (antes mesmo da entrega) e mais 50% após conferir que todos os DVDs estavam gravados corretamente. Levei um susto ao verificar a reação do rapaz ao telefone:

- Como assim?? Não está confiando em mim??? Se quiser me pague tudo após você conferir os DVDs, já que não está confiando. Não quero que me pague nada agora. Trabalho há 10 anos neste mercado... BLÁ BLÁ BLÁ

Depois percebi que já escutei coisas parecidas em outras situações. Normalmente de pessoas mais velhas...

Mas por que isto acontece? Decidi então redigir a lógica racional deste negócio. A composição é muito simples. Nem perderei tempo acessando o Código do Consumidor para verificar se estou certo, pois não é uma questão de legislação, é uma questão de lógica.

Temos duas personalidades na operação, o consumidor e o prestador de serviço.

O consumidor está exposto ao risco do serviço não ser corretamente prestado (risco do consumidor). Em contrapartida, o prestador de serviço está exposto ao risco de inadimplência por parte do cliente (risco do fornecedor).

Até aqui tudo certo? Ok, vamos continuar.

O pagamento em pecúnia por parte do consumidor é a remuneração do trabalho realizado pelo prestador de serviço (ativo do fornecedor). Por outro lado, a serviço/produto recebido pelo cliente é a remuneração do dinheiro investido para este fim (ativo do consumidor).

Como está o Balanço no início da operação? Conforme abaixo:

Balanço do Consumidor
Ativo
Passivo
R$ 210,00
R$ 0,00
(caixa)
PL

R$ 210,00
Balanço do Fornecedor
Ativo
Passivo
R$ 210,00
R$ 0,00
(conhecimento + equipamento
PL
para transformar VHS em DVD)
R$ 210,00

No momento da contratação do serviço, os Balanços mudarão.

O consumidor fica com uma dívida de R$210,00 contra o Fornecedor (passivo) e o Fornecedor assume o compromisso (passivo) de entregar o serviço, vejam:

Balanço do Consumidor
Ativo
Passivo
R$ 210,00
-R$ 210,00
(caixa)
(contas a pagar)

PL

R$ 0,00
Balanço do Fornecedor
Ativo
Passivo
R$ 210,00
-R$ 210,00
(contas a receber)
(promessa de entrega DVD)

PL

R$ 0,00

Agora, temos duas opções...

O cliente pode pagar antes de receber o serviço, ou pode pagar apenas após receber o serviço. Imagine um primeiro cenário, em que o cliente opta por pagar pelo serviço de forma adiantada. O cliente continua com o PL zerado, pois haverá uma saída de caixa e o passivo não mais existirá. Por outro lado, veja o que acontece com o Fornecedor:

Balanço do Consumidor
Ativo
Passivo
R$ 0,00
R$ 0,00



PL

R$ 0,00
Balanço do Fornecedor
Ativo
Passivo
R$ 210,00
-R$ 210,00
(caixa)
(promessa de entrega DVD)

PL

R$ 0,00

Perceberam a diferença? Não. Os PLs dos dois ainda estão zerados, então qual a diferença?

Dificultei propositalmente.

Parece não haver modificação no novo Balanço do fornecedor. Provavelmente assim também pensou nosso amigo transformador de VHS para DVD...

Aí que mora o perigo!

Repare que no Balanço anterior, o ativo do fornecedor não era formado por “caixa”. Era apenas um ativo “a receber”. No entanto, com o pagamento adiantado do serviço por parte do cliente, o novo Balanço do fornecedor, apesar de não ocorrer mudança no PL final do ponto de vista “contábil”, é melhor do que o Balanço anterior, pois é muito melhor ter caixa do que ter uma “promessa de caixa”.

Este erro é comumente visto no mercado financeiro, muitas vezes até por profissionais da área.

Os analistas de empresas costumam olhar muito para o Balanço das mesmas. É claro, o Balanço deve ser considerado. Mas não se pode olvidar da análise do fluxo de caixa. Ter um patrimônio líquido (PL) alto não significa solvência. Não ter solvência significa destruição de valor. Uma empresa pode ter um PL de 10 bilhões, sendo 15 bilhões em ativos e 5 bilhões em passivos. Se o ativo de curto prazo for de apenas 200 milhões, e o passivo de curto prazo for de 4,5 bilhões, esta empresa está fadada à falência. Como ela pagará suas dívidas de curto prazo?

Nosso amigo transformador de DVDs infelizmente ignorou este pequeno detalhe. Quem ignora, é ignorante. Não fique ofendido. Eu também sou ignorante, todos nós somos, pois não temos conhecimento infinito e acabamos por ignorar algumas coisas.

O rapaz imaginou estar com a razão e ainda ficou ofendido pela minha falta de confiança em seu trabalho. Meu querido, e o seu Balanço!? Você fica com um Balanço muito melhor do que o meu e ponto final!? Acaba assim? É assim que funciona? Confiança é sinônimo de burrice?

Há 100/200 anos, as pessoas se conheciam mais. Havia o padeiro, o leiteiro. Hoje moro numa cidade com milhões de pessoas e nem conheço a pessoa que mora parede com parede para o meu apartamento.

Por que devo confiar em alguém que não conheço? Quantos pilantras e finórios tive que me deparar em 25 anos de vida para aprender que não é aconselhável dar um voto de confiança grátis para desconhecidos?

Podem me chamar de insensível, não me importo. Muitas vezes ser racional é ser insensível, e ser sensível é ser irracional.

Crédito vem do latim “creditu”, que significa confiança. Dou crédito a quem conheço e confio. Crédito se conquista, assim como a confiança. Você aplicaria R$10.000 num CDB do Banco Piraruíba, aquele desconhecido aí da esquina? Por que não? Nossa, que insensibilidade!!! Por que não aplica na confiança? Com o seu dinheiro você se preocupa, e não posso me preocupar com o meu e já sou chamado de insensível e desconfiado!?

Calma leitor! Não estou falando de você. Estou apenas desabafando, conforme epígrafe.

Voltando agora aos números, veja como seria “lindo” se o mais justo fosse posto em prática. Mesmo sem ainda ter recebido os DVDs, considerando que o fornecedor já realizou um trabalho para confeccioná-los - independente do mesmo ser aprovado ou não -, paga-se um sinal de R$105 (50%):

Balanço do Consumidor
Ativo
Passivo
R$ 105,00
-R$ 105,00
(caixa)
(contas a pagar)

PL

R$ 0,00

Balanço do Fornecedor
Ativo
Passivo
R$ 105,00
-R$ 210,00
(caixa)
(promessa de entrega DVD)
R$ 105,00
PL
(contas a receber)
R$ 0,00

O Balanço do Fornecedor está melhor do que o anterior. No entanto, houve uma contrapartida muito importante: trabalho.

Se o sinal deveria ser de 10%, ou 50%, é outra história. Não vamos entrar agora neste mérito.
Muitos podem argumentar que só devemos pagar pelo serviço após a entrega. Discordo, mesmo que isso acabe me desfavorecendo na qualidade de cliente.

Quando você contrata um serviço, nada mais justo do que adiantar um pró-labore referente ao tempo do prestador de serviço que está sendo gasto com a sua demanda. Veja bem, por que o cliente precisa sempre sair ganhando? Até concordo que o prestador de serviço pode, para conquistar a clientela, aceitar receber pagamentos apenas contra entrega. No entanto, isto não significa que esta é a forma mais correta do ponto de vista econômico.

Acredito que o dispêndio de “joules” por parte do prestador de serviço merece uma remuneração, mas é claro, apenas um pró-labore e não o valor total do serviço, que seria complementado por um tipo de “sucess fee” implícito.

Agora, pergunto eu: Por que esta contrapartida financeira para o fornecedor deverá ser total, ou seja, uma criação de caixa equivalente a R$210, se a contrapartida do cliente ainda não é total (entrega + aprovação do serviço)? Conseguem enxergar o desequilíbrio econômico? Para mim o desequilíbrio é claro, chega a ser ensurdecedor de tão claro.

Mais um argumento para o cliente: se o pagamento é feito em sua totalidade e de forma adiantada, qual a garantia do cliente de que o fornecedor estará motivado a reparar algum problema na ocorrência de qualquer equívoco? Se o fornecedor já atingiu o “auge de seu Balanço”, por que se esforçará para agradar seu cliente? Alguns vendedores vestem a camisa “Cliente em 1º lugar”, mas muitos não pensam desta forma. Tenho certeza que você já se deparou com algum, certo? Então esta motivação não é garantida, mas a motivação financeira sempre funciona (quem gosta de finanças comportamentais vai me contradizer, argumentar que a compensação financeira nem sempre funciona, mas vamos adotar a regra geral, deixemos behavioral finance para outro artigo).

Conclusão da história: ao telefone, “convenci” o transformador de VHS a fazer do meu jeito, ou seja, pagaria 50% de sinal referente ao seu trabalho e mais 50% após conferencia do material. Digo “convenci” entre aspas porque o convenci a fazer do meu jeito, mas isso não significa que o convenci de meus preceitos econômicos.

Quando desliguei o telefone, pensei: “Sabe o que? Não vou criar caso por causa de R$210. Vou pagar logo este troço adiantado e ponto final. Meu nome e meu orgulho valem muito mais do que isso...”. Fiz um DOC NO VALOR TOTAL e mandei o comprovante por e-mail.

Vejam o que o sujeito me respondeu, para minha tremenda satisfação, algum tempo depois (transcrevo exatamente como me foi enviado):

Já recebi o pagamento obrigado!

Fui conferir os DVDs já gravados e, houve uma interferência na gravação que só agora percebi, vou tentar regravar tudo para entregar amanha.

Caso não consiga entrego até segunda feira ou terça de no máximo!

Algumas fitas estão com problemas de tracking, umas que estavam sem caixa numero 3  e a de numero 9 e 18 (caixas arranhadas) que numerei nas fitas !

Caso queira posso estornar o depósito e você refaz quando lhe entregar as fitas na segunda ou terça , caso não consiga até amanhã!

Att

Acho que o “transformador de VHS” transformou também seu modo de pensar.

Pra mim, já valeu o dia.

Obs.: Querido transformador de VHS, se você estiver lendo este artigo, pois coloco o endereço deste blog na minha assinatura de e-mail, não fique zangado. Por favor, me entregue as fitas e DVDs em bom estado! Sei que você é uma pessoa do bem, simplesmente teve dificuldades de entender meu raciocínio. Não fiquei nervoso com o senhor, apenas com a situação. Espero que os DVDs estejam “ok”, e você não terá que estornar nenhum pagamento. Da próxima vez, para que não corra o risco de passar pelo constrangimento de ter que estornar um pagamento feito pelo cliente, siga a minha dica...

Muito obrigado pelo serviço!  








quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Série "JJ - Juros no Judaísmo" - Episódio 01

Decidi começar a escrever algo sobre “Ribit”, que significa “Juros” em hebraico.

Estou muito em falta com meus estudos judaicos, então por que não matar dois coelhos com uma cajadada só? Assim consigo estar em dia com meus estudos judaicos e ao mesmo tempo aprimorar meus conhecimentos em finanças.

Para inaugurar a série, na “JJ - 1º Episódio”, trago uma pergunta curiosa que achei no site Yeshiva.co.il, artigo escrito pelo Rabino Nir Aviv. Quem tiver interesse em olhar no original, é só acessar o link abaixo.  


A pergunta feita ao Rabino é a seguinte:

Tenho uma loja e vendo (comprofundidade... rsrsrs – desculpem, perco o leitor mas não perco a piada!) um objeto por R$800. No entanto, o cliente tem a opção de pagar R$800 à vista ou R$1.000 em 5 parcelas de R$200. Vamos supor um fluxo END e não BEGIN, ou seja, sem entrada, a primeira parcela é paga em D30.

Sabemos que de acordo com o Judaísmo é proibida a cobrança de juros numa operação que envolva dois judeus.

Numa primeira interpretação, os R$200 que são pagos a mais pelo cliente na compra à prazo, podem ser considerados uma remuneração (juros) sobre o dinheiro no tempo, e isto seria proibido pelo Judaísmo.

Por outro lado, podemos dizer que destes R$200, na verdade R$50 é um reembolso referente ao custo de enviar ao banco mensalmente um portador para depositar o cheque pré-datado, por exemplo.

Além disto, podemos supor que o valor presente do produto é R$950. No entanto, o dono da loja prefere abrir mão de R$150 e vender para os clientes à vista por R$800, pois desta forma não terá dor de cabeça com pagadores duvidosos. Sendo assim, onde estão os juros!?

Esta operação pode então ser feita de acordo com as leis judaicas????

Abro um parêntese.

O que coloco abaixo não estava no site.

Mas que tal calcularmos os juros implícitos nesta operação!?

Temos R$200 que são pagos a mais, sobre R$800 que é o valor base, então temos 200/800 = 0,25. Esta operação rende para o dono da loja 25%, correto?! Não!!! Pelo amor de D´s!!!

Muitos caem neste mesmo erro!

Vamos prestar mais atenção...

Tempo é dinheiro. A cada milésimo de segundo que o dinheiro está parado, ele poderia estar rendendo. Vocês certamente já ouviram falar do famoso “custo de oportunidade”, certo?

A operação renderia 25% se o fluxo de caixa fosse o seguinte:

D0 = - R$800 (dono da loja investe no produto, há uma saída de caixa em forma de produto, por este motivo o sinal é negativo);
D150 = + R$1.000 (dono da loja recebe R$1.000 pelo produto vendido);
TIR (Taxa Interna de Retorno, que zera este fluxo de caixa) = 25%

Ou seja, o dono da loja aplicou por 5 meses os R$800 iniciais (zero cupom), e no final, após 5 meses, recebeu o principal de R$800 mais juros de R$200, resultando numa remuneração de 25%.

Se quisermos calcular qual seria a taxa equivalente mensal, faríamos (1,25)^(1/5)-1 = 4,56%. Ou seja, se o dono da loja recebesse R$182,56 em cinco parcelas (END), no final ele teria os mesmos R$1.000 que teria caso fixasse um fluxo com pagamento de R$1.000 no final. Mas como assim?

R$182,56 x 5 = R$912,79 < R$1.000

Como pode ser? A matemática está errada?

A resposta é simples!

Quando falamos em PMT (neste caso PRICE, pois as parcelas são constantes), supomos que os R$182,56 serão aplicados, imediatamente após cada pagamento, a uma taxa de 4,56%. Se isso for feito, após a 5ª parcela de R$182,56, o dono da loja terá R$1.000 ao invés de R$912,79, entenderam? Pois os R$200 aplicados mensalmente a 4,56% rendem juros que fazem com que R$912,79 se transformem em R$1.000 – legal, não é mesmo?

No caso supracitado, as parcelas são de R$200 e não de R$182,56. A TIR que zera este fluxo de caixa é de 7,93% - a um valor presente de R$800, que seria o preço a vista, é claro. Se o lojista aplicar estes R$200 mensais a mesa taxa de 7,93%, no final, ele não terá R$1.000, e sim R$1.171,68 (PMT: 200, N=5, i=7,93% FV=R$1.171,68). Mil reais é o valor nominal recebido pelo lojista, e os juros implícitos da operação não são de 25%.
O fato de receber cupons (parcelas), independente de o lojista aplicar ou não estas parcelas recebidas durante o tempo, deve entrar no cálculo dos juros, que é de 7,93% ao mês e 46,46% no final dos cinco meses. Muito maior do que os 25%, certo?

Então é um erro que não podemos mais cometer, combinado!?

Exatamente este conceito que gostaria de ressalvar nestes parênteses, pois vejo muitas pessoas raciocinarem de forma errada. Até mesmo profissionais do ramo financeiro, simplesmente utilizam a HP12C, mas não fazem ideia do que está por trás dos botões.

Não é difícil. É extremamente fácil. Após entender o conceito por trás, QUALQUER operação da matemática financeira, e digo QUALQUER em maiúscula pois é QUALQUER mesmo, será facilmente compreendida.

Voltando a dúvida sobre a venda à prazo. Para esta explanação, vamos enumerar alguns pontos importantes.

PONTO 1: NÃO EXISTE VENDA À VISTA COM DESCONTO

Em primeiro lugar, o argumento de que o vendedor prefere vender por R$150 a menos, ou seja, R$800, para não ter dor de cabeça com pagadores duvidosos, é falso.

Pense bem: se a taxa mínima de atratividade deste negócio for 10% maior do que a taxa livre de risco, de 10% por exemplo, então a rentabilidade mínima esperada será de 20%. Supondo que o custo total deste bem seja de R$700, concordam que o preço mínimo que o lojista estará disposto a vender será de R$840 (700 x 1,2)? Concordam também que se o vendedor vender por R$800 ele terá “prejuízo” (não financeiro, mas econômico)!? Ou seja, o vendedor nunca venderá um produto a um preço menor do que a sua rentabilidade mínima esperada, caso contrário ele preferirá colocar seu capital no “risk-free” e ir à praia.

Se o vendedor está concordando em vender por R$800, isto significa que a sua margem de lucratividade ainda é atrativa para manter o negócio de pé, e significa também que ao vender por R$1.000 à prazo, o vendedor está SIM cobrando um prêmio receber o dinheiro com esta postergação. Prêmio pelo custo de oportunidade, prêmio pela falta de liquidez, prêmio pelo risco de crédito, enfim, o fator juros existe definitivamente.

O lojista deve vender, no mínimo, pelo VALOR PRESENTE daquele produto naquele momento. As lojas sempre venderão à vista por este valor mágico, que é o VALOR PRESENTE. Caso contrário, terão prejuízo. O desconto que as lojas dão para pagamento à vista é em cima de um valor que foi previamente aumentado, para que as vendas à prazo ganhem espaço também. No mundo atual onde a cultura de compras à prazo é muito grande, os lojistas são obrigados a inserir esta gordura para não perderem mercado e saírem no prejuízo.

Tenham certeza de que o Supermercado Mundial, por exemplo, não vende os produtos com desconto sobre o seu VALOR PRESENTE, ou valor intrínseco. Eles simplesmente não acrescem a gordura que outros varejistas, que vendem à prazo, precisam contabilizar. Por este motivo, fazer compras no Extra à vista, ceteris paribus, não é financeiramente inteligente, pois você paga esta gordura e não a utiliza.

PONTO 2: OS JUROS BÍBLICOS NÃO SE REFEREM A NEGÓCIOS E SIM A EMPRÉSTIMOS

O antigo testamento, quando cita juros, o cita num formato de “empréstimo” e não de “negócios” (Shemot, 22/24):           

"אִם כֶּסֶף תַּלְוֶה אֶת עַמִּי, אֶת-הֶעָנִי עִמָּךְ לֹא תִהְיֶה לוֹ, כְּנֹשֶׁה; לֹא תְשִׂימוּן עָלָיו, נֶשֶׁךְ" 

“Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não serás para ele como um credor; não colocarás sobre ele juros.”

(Curiosidade, pode acreditar ou não: peguei a tradução certinha no livro “Chumash com Comentários de Rashi”. Abri numa página qualquer, e advinha a página que saiu!? Exatamente a página deste versículo, página 122. Ok, sou cético em relação a isso também, mas sabe qual a probabilidade de sair a página 122 dentre 250 outras páginas? Faça a conta 1/250 = 0,4%! Enfim, no mínimo sou um sortudo do ramo da abertura de páginas...pena que não consigo migrar esta sorte para a loteria...)

Por este motivo, no caso da venda por R$1.000 ao invés de R$800, não é infringida a lei “direta” da Torá por se tratar de “negócios” e não de um empréstimo para um descasamento de fluxo de caixa de algum amigo, por exemplo.

Por outro lado, nossos sábios, de abençoada memória, decretaram que este tipo de juros é considerado “Avak Ribit”, ou seja, uma versão menos grave de cobrança de juros, mas que também é proibido. Mesmo quando da não ocorrência da transgressão original, é muito comum no judaísmo existirem cercas para nos distanciar da transgressão original, e essa é uma delas. Quem é judeu praticante sabe bem o valor das cercas, pois muitas vezes elas realmente nos protegem de cairmos em transgressões maiores.

PONTO 3: CINCO CONDIÇÕES PARA A VENDA SER FEITA COM O PREÇO MAIOR

Se cobrar R$1.000 é proibido, como então os lojistas judeus conseguirão fazer vendas à prazo para outros judeus?! Caso não haja opção, muitas lojas terão enormes prejuízos tendo que operar apenas vendas à vista. Em alguns setores a venda à vista pode ser lucrativa, mas em outros, como automóveis, móveis, imóveis, ou produtos muito caros, sem venda á prazo o negócio ficaria inviável.

Pensando nisso, nosso sábios decretaram cinco condições básicas, e caso todas sejam cumpridas, o “Avak Ribit” é desconsiderado e a operação é permitida:

  1. O vendedor não pode dizer ao comprador que está vendendo por R$1.000 ao invés de R$800 pelo fato do comprador estar optando por pagamento à prazo;
  2. O produto não pode possuir um valor fixo/tabelado, e deve ser vendido por diversos preços em lojas distintas;
  3. O preço do produto não pode ser 20% maior do que o maior preço que este produto é encontrado nas lojas à vista (a loja mais cara do mercado pode ser utilizada como referência, supondo produtos com qualidades similares, é claro);
  4. O vendedor não pode dizer ao cliente que se o produto for pago imediatamente haverá desconto;
  5. O vendedor não pode colocar no produto que o mesmo está sendo vendido por X à vista e por Y*1,0W à prazo;

PONTO 4: CONCLUSÃO

Se você é judeu e está comprando itens numa loja de um dono judeu, e a loja não cumpre com os cinco itens supra, teoricamente é proibido fazer a compras à prazo nesta loja (à vista não haveria problema). Lembrando que a transgressão não é apenas para o “cobrador de juros” mas também para o “pagador de juros”.

Com relação aos R$50 referentes ao reembolso de custas sobre a cobrança parcelada, realmente é um custo do produto, assim como matéria prima, aluguel da loja e margem de lucro. Então, teoricamente, não há problema em cobrar este reembolso, no entanto este valor deve estar agregado ao custo do produto.

Para finalizar, com relação ao PONTO 1, onde foi dito que não existe venda à vista com desconto sobre o valor intrínseco do bem (pois neste caso o vendedor teria prejuízo, e isto não é racional), gostaria de tecer um comentário final.

Supondo que o valor verdadeiro do produto nas outras lojas - pagamento à vista - seja de R$950. E supondo que você lojista está com empréstimos no banco, pagando juros altíssimos, e você precisa urgente fazer caixa. Neste caso, você prefere fazer caixa a lucro zero na loja para poder quitar a dívida no banco, então você realmente está disposto a vender por R$800 e ficar no zero a zero (prejuízo econômico), mesmo que o preço real do produto seja R$950 à vista em outras lojas. Existem outras situações em que isso pode acontecer, quando o lojista vende com preço abaixo do mercado para conquistar a clientela.

Veja, que neste caso, se o pagamento for feito em parcelas, não há cobrança de juros, pois o valor presente do produto é realmente R$950. O lojista é quem está abrindo mão de seu lucro pois precisa do caixa naquele momento.

Sobre esta última situação, existe uma discussão entre os sábios judeus, Machané Efraim que permite, e Mishnê Lemelech, que proíbe.

Como estamos falando de uma proibição rabínica, pois pela Torá este caso de “juros para negócios” seria permitido, normalmente numa discussão rabínica “derabanan, azlinan le kula”, que em aramaico significa “discussão sobre transgressão rabínica, normalmente somos lenientes”. Então neste caso, é permitido.

Espero que o Episódio 1 do “JJ” tenha sido proveitoso para todos!

Um forte abraço!