Decidi começar a escrever algo sobre “Ribit”, que significa “Juros” em hebraico.
Estou muito em falta com meus estudos judaicos, então por que não matar dois coelhos com uma cajadada só? Assim consigo estar em dia com meus estudos judaicos e ao mesmo tempo aprimorar meus conhecimentos em finanças.
Para inaugurar a série, na “JJ - 1º Episódio”, trago uma pergunta curiosa que achei no site Yeshiva.co.il, artigo escrito pelo Rabino Nir Aviv. Quem tiver interesse em olhar no original, é só acessar o link abaixo.
A pergunta feita ao Rabino é a seguinte:
Tenho uma loja e vendo (comprofundidade... rsrsrs – desculpem, perco o leitor mas não perco a piada!) um objeto por R$800. No entanto, o cliente tem a opção de pagar R$800 à vista ou R$1.000 em 5 parcelas de R$200. Vamos supor um fluxo END e não BEGIN, ou seja, sem entrada, a primeira parcela é paga em D30.
Sabemos que de acordo com o Judaísmo é proibida a cobrança de juros numa operação que envolva dois judeus.
Numa primeira interpretação, os R$200 que são pagos a mais pelo cliente na compra à prazo, podem ser considerados uma remuneração (juros) sobre o dinheiro no tempo, e isto seria proibido pelo Judaísmo.
Por outro lado, podemos dizer que destes R$200, na verdade R$50 é um reembolso referente ao custo de enviar ao banco mensalmente um portador para depositar o cheque pré-datado, por exemplo.
Além disto, podemos supor que o valor presente do produto é R$950. No entanto, o dono da loja prefere abrir mão de R$150 e vender para os clientes à vista por R$800, pois desta forma não terá dor de cabeça com pagadores duvidosos. Sendo assim, onde estão os juros!?
Esta operação pode então ser feita de acordo com as leis judaicas????
Abro um parêntese.
O que coloco abaixo não estava no site.
Mas que tal calcularmos os juros implícitos nesta operação!?
Temos R$200 que são pagos a mais, sobre R$800 que é o valor base, então temos 200/800 = 0,25. Esta operação rende para o dono da loja 25%, correto?! Não!!! Pelo amor de D´s!!!
Muitos caem neste mesmo erro!
Vamos prestar mais atenção...
Tempo é dinheiro. A cada milésimo de segundo que o dinheiro está parado, ele poderia estar rendendo. Vocês certamente já ouviram falar do famoso “custo de oportunidade”, certo?
A operação renderia 25% se o fluxo de caixa fosse o seguinte:
D0 = - R$800 (dono da loja investe no produto, há uma saída de caixa em forma de produto, por este motivo o sinal é negativo);
D150 = + R$1.000 (dono da loja recebe R$1.000 pelo produto vendido);
TIR (Taxa Interna de Retorno, que zera este fluxo de caixa) = 25%
Ou seja, o dono da loja aplicou por 5 meses os R$800 iniciais (zero cupom), e no final, após 5 meses, recebeu o principal de R$800 mais juros de R$200, resultando numa remuneração de 25%.
Se quisermos calcular qual seria a taxa equivalente mensal, faríamos (1,25)^(1/5)-1 = 4,56%. Ou seja, se o dono da loja recebesse R$182,56 em cinco parcelas (END), no final ele teria os mesmos R$1.000 que teria caso fixasse um fluxo com pagamento de R$1.000 no final. Mas como assim?
R$182,56 x 5 = R$912,79 < R$1.000
Como pode ser? A matemática está errada?
A resposta é simples!
Quando falamos em PMT (neste caso PRICE, pois as parcelas são constantes), supomos que os R$182,56 serão aplicados, imediatamente após cada pagamento, a uma taxa de 4,56%. Se isso for feito, após a 5ª parcela de R$182,56, o dono da loja terá R$1.000 ao invés de R$912,79, entenderam? Pois os R$200 aplicados mensalmente a 4,56% rendem juros que fazem com que R$912,79 se transformem em R$1.000 – legal, não é mesmo?
No caso supracitado, as parcelas são de R$200 e não de R$182,56. A TIR que zera este fluxo de caixa é de 7,93% - a um valor presente de R$800, que seria o preço a vista, é claro. Se o lojista aplicar estes R$200 mensais a mesa taxa de 7,93%, no final, ele não terá R$1.000, e sim R$1.171,68 (PMT: 200, N=5, i=7,93% FV=R$1.171,68). Mil reais é o valor nominal recebido pelo lojista, e os juros implícitos da operação não são de 25%.
O fato de receber cupons (parcelas), independente de o lojista aplicar ou não estas parcelas recebidas durante o tempo, deve entrar no cálculo dos juros, que é de 7,93% ao mês e 46,46% no final dos cinco meses. Muito maior do que os 25%, certo?
Então é um erro que não podemos mais cometer, combinado!?
Exatamente este conceito que gostaria de ressalvar nestes parênteses, pois vejo muitas pessoas raciocinarem de forma errada. Até mesmo profissionais do ramo financeiro, simplesmente utilizam a HP12C, mas não fazem ideia do que está por trás dos botões.
Não é difícil. É extremamente fácil. Após entender o conceito por trás, QUALQUER operação da matemática financeira, e digo QUALQUER em maiúscula pois é QUALQUER mesmo, será facilmente compreendida.
Voltando a dúvida sobre a venda à prazo. Para esta explanação, vamos enumerar alguns pontos importantes.
PONTO 1: NÃO EXISTE VENDA À VISTA COM DESCONTO
Em primeiro lugar, o argumento de que o vendedor prefere vender por R$150 a menos, ou seja, R$800, para não ter dor de cabeça com pagadores duvidosos, é falso.
Pense bem: se a taxa mínima de atratividade deste negócio for 10% maior do que a taxa livre de risco, de 10% por exemplo, então a rentabilidade mínima esperada será de 20%. Supondo que o custo total deste bem seja de R$700, concordam que o preço mínimo que o lojista estará disposto a vender será de R$840 (700 x 1,2)? Concordam também que se o vendedor vender por R$800 ele terá “prejuízo” (não financeiro, mas econômico)!? Ou seja, o vendedor nunca venderá um produto a um preço menor do que a sua rentabilidade mínima esperada, caso contrário ele preferirá colocar seu capital no “risk-free” e ir à praia.
Se o vendedor está concordando em vender por R$800, isto significa que a sua margem de lucratividade ainda é atrativa para manter o negócio de pé, e significa também que ao vender por R$1.000 à prazo, o vendedor está SIM cobrando um prêmio receber o dinheiro com esta postergação. Prêmio pelo custo de oportunidade, prêmio pela falta de liquidez, prêmio pelo risco de crédito, enfim, o fator juros existe definitivamente.
O lojista deve vender, no mínimo, pelo VALOR PRESENTE daquele produto naquele momento. As lojas sempre venderão à vista por este valor mágico, que é o VALOR PRESENTE. Caso contrário, terão prejuízo. O desconto que as lojas dão para pagamento à vista é em cima de um valor que foi previamente aumentado, para que as vendas à prazo ganhem espaço também. No mundo atual onde a cultura de compras à prazo é muito grande, os lojistas são obrigados a inserir esta gordura para não perderem mercado e saírem no prejuízo.
Tenham certeza de que o Supermercado Mundial, por exemplo, não vende os produtos com desconto sobre o seu VALOR PRESENTE, ou valor intrínseco. Eles simplesmente não acrescem a gordura que outros varejistas, que vendem à prazo, precisam contabilizar. Por este motivo, fazer compras no Extra à vista, ceteris paribus, não é financeiramente inteligente, pois você paga esta gordura e não a utiliza.
PONTO 2: OS JUROS BÍBLICOS NÃO SE REFEREM A NEGÓCIOS E SIM A EMPRÉSTIMOS
O antigo testamento, quando cita juros, o cita num formato de “empréstimo” e não de “negócios” (Shemot, 22/24):
"אִם כֶּסֶף תַּלְוֶה אֶת עַמִּי, אֶת-הֶעָנִי עִמָּךְ לֹא תִהְיֶה לוֹ, כְּנֹשֶׁה; לֹא תְשִׂימוּן עָלָיו, נֶשֶׁךְ"
“Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não serás para ele como um credor; não colocarás sobre ele juros.”
(Curiosidade, pode acreditar ou não: peguei a tradução certinha no livro “Chumash com Comentários de Rashi”. Abri numa página qualquer, e advinha a página que saiu!? Exatamente a página deste versículo, página 122. Ok, sou cético em relação a isso também, mas sabe qual a probabilidade de sair a página 122 dentre 250 outras páginas? Faça a conta 1/250 = 0,4%! Enfim, no mínimo sou um sortudo do ramo da abertura de páginas...pena que não consigo migrar esta sorte para a loteria...)
Por este motivo, no caso da venda por R$1.000 ao invés de R$800, não é infringida a lei “direta” da Torá por se tratar de “negócios” e não de um empréstimo para um descasamento de fluxo de caixa de algum amigo, por exemplo.
Por outro lado, nossos sábios, de abençoada memória, decretaram que este tipo de juros é considerado “Avak Ribit”, ou seja, uma versão menos grave de cobrança de juros, mas que também é proibido. Mesmo quando da não ocorrência da transgressão original, é muito comum no judaísmo existirem cercas para nos distanciar da transgressão original, e essa é uma delas. Quem é judeu praticante sabe bem o valor das cercas, pois muitas vezes elas realmente nos protegem de cairmos em transgressões maiores.
PONTO 3: CINCO CONDIÇÕES PARA A VENDA SER FEITA COM O PREÇO MAIOR
Se cobrar R$1.000 é proibido, como então os lojistas judeus conseguirão fazer vendas à prazo para outros judeus?! Caso não haja opção, muitas lojas terão enormes prejuízos tendo que operar apenas vendas à vista. Em alguns setores a venda à vista pode ser lucrativa, mas em outros, como automóveis, móveis, imóveis, ou produtos muito caros, sem venda á prazo o negócio ficaria inviável.
Pensando nisso, nosso sábios decretaram cinco condições básicas, e caso todas sejam cumpridas, o “Avak Ribit” é desconsiderado e a operação é permitida:
- O vendedor não pode dizer ao comprador que está vendendo por R$1.000 ao invés de R$800 pelo fato do comprador estar optando por pagamento à prazo;
- O produto não pode possuir um valor fixo/tabelado, e deve ser vendido por diversos preços em lojas distintas;
- O preço do produto não pode ser 20% maior do que o maior preço que este produto é encontrado nas lojas à vista (a loja mais cara do mercado pode ser utilizada como referência, supondo produtos com qualidades similares, é claro);
- O vendedor não pode dizer ao cliente que se o produto for pago imediatamente haverá desconto;
- O vendedor não pode colocar no produto que o mesmo está sendo vendido por X à vista e por Y*1,0W à prazo;
PONTO 4: CONCLUSÃO
Se você é judeu e está comprando itens numa loja de um dono judeu, e a loja não cumpre com os cinco itens supra, teoricamente é proibido fazer a compras à prazo nesta loja (à vista não haveria problema). Lembrando que a transgressão não é apenas para o “cobrador de juros” mas também para o “pagador de juros”.
Com relação aos R$50 referentes ao reembolso de custas sobre a cobrança parcelada, realmente é um custo do produto, assim como matéria prima, aluguel da loja e margem de lucro. Então, teoricamente, não há problema em cobrar este reembolso, no entanto este valor deve estar agregado ao custo do produto.
Para finalizar, com relação ao PONTO 1, onde foi dito que não existe venda à vista com desconto sobre o valor intrínseco do bem (pois neste caso o vendedor teria prejuízo, e isto não é racional), gostaria de tecer um comentário final.
Supondo que o valor verdadeiro do produto nas outras lojas - pagamento à vista - seja de R$950. E supondo que você lojista está com empréstimos no banco, pagando juros altíssimos, e você precisa urgente fazer caixa. Neste caso, você prefere fazer caixa a lucro zero na loja para poder quitar a dívida no banco, então você realmente está disposto a vender por R$800 e ficar no zero a zero (prejuízo econômico), mesmo que o preço real do produto seja R$950 à vista em outras lojas. Existem outras situações em que isso pode acontecer, quando o lojista vende com preço abaixo do mercado para conquistar a clientela.
Veja, que neste caso, se o pagamento for feito em parcelas, não há cobrança de juros, pois o valor presente do produto é realmente R$950. O lojista é quem está abrindo mão de seu lucro pois precisa do caixa naquele momento.
Sobre esta última situação, existe uma discussão entre os sábios judeus, Machané Efraim que permite, e Mishnê Lemelech, que proíbe.
Como estamos falando de uma proibição rabínica, pois pela Torá este caso de “juros para negócios” seria permitido, normalmente numa discussão rabínica “derabanan, azlinan le kula”, que em aramaico significa “discussão sobre transgressão rabínica, normalmente somos lenientes”. Então neste caso, é permitido.
Espero que o Episódio 1 do “JJ” tenha sido proveitoso para todos!
Um forte abraço!